Lavanderia

"A chuva
A parede

A lágrima
A face

A música 
O coração

O sentimento
A alma.”
De que importa a quantidade de primaveras se o que realmente te faz crescer e amadurecer são os invernos mais sombrios?

O escritor e a senhorita da lei

           I


Mais uma vez cá estou eu me afogando em outro café e terminando mais um maço de cigarros. Odeio essa cidade cheia de pessoas escravas do trabalho. A única coisa que ainda é do meu agrado é essa cafeteria invisível em meio a tantas outras e uma certa dama loira que aparece frequentemente por aqui. Talvez eu devesse falar com ela um dia desses, quem sabe… Não costumo sentir vontade de me relacionar com pessoas mas ela despertou meu interesse. Já são 11:50, ela costuma vir aqui por volta do meio dia, pede um café puro e um bolinho rosa daqueles bonitinhos com um nome engraçado. Estou meio que inseguro eu confesso, será que ela iria reparar em mim? Um simples cara no canto da parede com um café, um bloco de notas e cigarros?
Pelo amor de Odin, que diabos está acontecendo comigo? Quando acordo do meu devaneio me dou conta que ela já está sentada em sua mesa de sempre, não muito distante da minha. Pensei comigo: “porque não?”. Estou indo ao encontro dela.
— Olá senhorita, posso sentar-me contigo?
Ela olhando pra mim com uns olhos grandes responde com ar educado:
— Claro! Fique a vontade.
Continuo:
— Não pude deixar de notar que uma bela dama vem frequentemente ao meu lugar favorito da cidade.
Ela com um breve sorriso —que por sinal é muito bonito— me responde:
— É muita generosidade sua, obrigada. Eu gosto de vir aqui no intervalo do trabalho, esses cupcakes coloridos, principalmente o rosa, me fazem esquecer aquele ambiente monótono.
Tento me manter atento a conversa, pois acredite, odeio falar sobre trabalho. Prossigo tentando estender a conversa:
— Realmente faz sentido, desculpe o meu atrevimento mas com que a senhorita trabalha?
— Sou advogada, ela diz.
— É uma ótima profissão.
— E o senhor, como sobrevive?
— Oh por favor, não me chame de senhor, meu nome é Monteiro, e apesar da barba não sou tão velho.
Ela ruboriza um pouco e novamente esbanja um breve sorriso.
— Sobrevivo das palavras, elas me alimentam, me vestem, me sustentam -acrescento.
Ela atenta diz:
— Literalmente?
Prossigo:
— Também, na verdade em todos os sentidos imagináveis.
Não sei se ela prestou atenção as minhas últimas palavras, pois quando levanto a vista ela está olhando para seu relógio. E rapidamente exclama:
— Minha nossa! Estou super atrasada!
Em seguida ela deixa algum dinheiro na mesa encardida, agarra a bolsa e já saindo diz:
— Foi um prazer conhecê-lo, Sr. Monteiro, até amanhã.
E se vai atravessando a rua.
Não sei se causei uma boa impressão, não sei lidar com pessoas, prefiro os meus amigos literários. Porém, ela disse “até amanhã” e acho que isso é um bom sinal.
Mas espere, hoje é sábado, então só nos veremos na segunda-feira. Ela insiste em me chamar de Sr. Monteiro, e eu do meu modo tão desajeitado que sou esqueci de perguntar-lhe o seu nome.
Sussurro baixinho:

— Até breve senhorita da lei.


                       II

É segunda-feira, a cafeteria tem mais gente que o normal hoje, já não estou me sentindo confortável. Resisto, tenho que resistir a esse aglomerado de pessoas  pois quero encontrar-me com com aquela loira advogada de dois dias atrás. Não quero que me peçam para desocupar a mesa, então vou até o balcão confirmo que quero o café de sempre e peço para acrescentar um bolinho rosa. Não sei porquê nunca consigo lembrar o nome deles, acho que é algum nome em inglês, mas não importa pois eles não deixarão de ser bolinhos. 
Assento-me novamente, olho a hora em meu relógio de bolso e vejo que ainda são 10:30 da manhã, começo a escrever um poema, quando termino recito em voz baixa e vejo que não é um dos melhores. Olho pela janela, pessoas vem e vão o tempo todo, crianças correm pra lá e pra cá, adolescentes vagam desatentos com seus eletrônicos de última geração… Não gosto da correria do dia-a-dia, pessoas simplesmente não aproveitam mais o tempo com suas famílias, seus amores, com a natureza, com as coisas simples da vida… As vezes pergunto se vim  ”desconfigurado”, mas meu subconsciente me diz que sou apenas diferente. 
Reparo novamente no relógio e noto que já são meio dia e cinco minutos, ela já deveria estar aqui. Espero por mais dez minutos e nada, em seguida vou até o balcão indagar o atendente:
— Com licença, você poderia me informar algo sobre aquela mulher que geralmente ocupava aquela mesa?
— Tudo que sei é que ela trabalha a uma quadra daqui.
— Ok, muito obrigado.
Deixo o dinheiro ali mesmo com o atendente e sigo rumo a uma quadra dali. A rua está muito movimentada hoje, talvez seja pelo fato de ser segunda-feira. Ando um pouco mais rápido e avisto um escritório de advocacia. Presumi que minha caminhada findasse ali. Fico parado por alguns minutos para repor o ar e para que o meu rosto que já está vermelho volte ao normal, não quero parecer desesperado. 
Subo os degraus e só vejo um corre-corre, penso se é assim que os advogados passam o dia. Paro alguém e pergunto:
— Com licença, poderia me dizer o que está acontecendo?
— A dra. Olívia foi atropelada por um bêbado infeliz enquanto ia até a cafeteria. Infelizmente não conseguiu resistir aos ferimentos. Mas quem é você? Não te avisaram que não atenderemos mais ninguém por hoje? 
Na minha cabeça criou-se um zumbido, saio dali rapidamente sem responder a pergunta daquele homem engravatado. Coloco um cigarro na boca e refaço meus passos até a cafeteria pois necessito de um café forte. Minha cabeça continua nas nuvens, ou melhor, nela. 
Peço o café enquanto estou a observar aqueles bolinhos cor de rosa. Volto para sentar-me e refazer as ideias. Que maneira triste de descobrir o seu nome senhorita Olívia, esperava poder ouvi-lo dos seus lábios, penso. Deixo o dinheiro na mesa, acendo outro cigarro e saio a vagar por aquela imensa avenida.

Todos os dias ao meio dia Monteiro está sentado naquela cafeteria com seu café puro e um bolinho rosa sobre a sua mesa, a espera do dia em que alguém o faça escolher um cupcake de cor diferente.
Perdi-me num verso de uma trova
De um trovador solitário

Cansado de amar errado.
Perdi-me no meio
Das palavras tortas
De um conto qualquer
De um escritor de boteco embriagado.
Perdi-me nas entrelinhas
Da minha própria história
Que a vida insiste em contar.
Caso de início
Não consiga me achar,
Rogo-te,
Continue a me procurar.

Os melhores textos não são aqueles transbordados de palavras difíceis, são aqueles que com palavras cotidianas nos decifra e nos conforta como que um abraço apertado.

Sr. Ernesto - Cap. II

CAPÍTULO II

Certo dia em que ia à cidade com seu irmão mais velho comprar tecidos e alimentos, Ernesto fora encarregado de um serviço simples, mas que seria de grande importância para sua história.

— Nestin, meu fí. Aproveite que é no caminho e passe na casa de cumadre Joana. Diga a sua irmã que venha correnu, que ninguém amanhece o dia na casa dos ôto não. E se ela num chegar já, vô buscar cum esse cipó.

Ernesto assentiu com a cabeça e seguiu seu irmão, iam a pé por isso partiram cedo.  Seu irmão mais velho não era de muitas palavras, herdou a qualidade do pai, por isso andavam de boca fechada na maior parte do tempo.
Por volta das 06h: 00min iam passando de frente a casa de dona Joana, mulher robusta e que queria muito bem a família de Ernesto.

— Ô de casa, dona Juana.
— Oxente, qué que tu faz por essas banda hoje, minino?
— Vô na rua, mainha mandô cumprar umas coisa. Laura tá aqui?
— Tá sim, chegô cum o leite e foi brincar cum Odetinha lá no terrêro.

Ernesto não quis deixar o recado temendo pela irmã, foi-se ele mesmo até o terreiro onde Laura e Odete estavam a brincar com suas bonecas de pano e sabugo.  Porém, assim que chegou diante delas, Odete deu-lhe um sorrisinho bobo, largou as bonecas e correu para dentro de casa envergonhada. Ernesto ficou a fita-la, sem entender o motivo daquela fuga repentina, mas não deu muita importância, até porque não tinha tempo pra tal bobagem.

— Ô Laurinha, mainha disse que fosse pra casa agora, se não ela vinha lhe buscar cum um cipó, vá ligeiro não viu bixinha...
— Armaria, pode nem brincar mai, toda hora tem que trabaiá.
Ambos saíram para lados opostos, uma resmungando, outro pensativo.

É contraditório como as pessoas sentem sua falta, mas não te procuram, como amamos e odiamos ao mesmo tempo, como somos dotados de uma extrema inteligência mas vivemos a fazer burrices, como o poeta que escreve sobre amor não sabe de fato amar, como o céu se chama céu e não mar, como o mar se chama mar e não floresta, como os defeitos se tornam elegantes e únicos sob o poder do amor, como o sorriso de alguém lhe rouba um sorriso, como as pessoas ‘certas‘ insistem em correr atrás das pessoas ‘erradas‘, como as pessoas anseiam desesperadamente pela liberdade sendo que a maioria não sabe de fato o que é a liberdade, como o gelo queima tal como o fogo, como a vida se vai quando você mais precisa dela, como cá estou eu falando sobre contradições quando eu poderia estar tirando umas férias no Hawaii, como eu poderia ter nascido outra pessoa, como eu poderia não ter nascido… A nossa vida é feita de contradições, segredos, lacunas, enigmas… Não perca seu tempo tentando desvendá-los, apenas viva, viva intensamente o hoje como se não houvesse amanhã. Pois, as coisas mais belas desse mundo estão fora da nossa compreensão.

Outro Eduardo, outra Mônica.

"Eduardo era alto
Mônica era baixa
Eduardo era mais velho
Mônica era mais nova
Eduardo prometeu um almoço
Mônica prometeu um jantar
Ambos esqueceram a sobremesa.”
Tornei-me insensível
Por não haver reciprocidade
No meu modo de amar.
Então,
Às vezes eu choro
Por não sentir vontade de chorar.

Sr. Ernesto - Cap. I

CAPÍTULO I

Uma tarde quente, o sol já se pondo enquanto voltava da roça Ernesto assobiava com os outros lavradores. Menino de 14 anos, trabalhador. Pois naquela época não existia moleza nem “mimação”, menino ia pra roça e menina ajudava nas tarefas de casa. Tempo exaustivo, seca constante naquelas bandas. Seguiam caminhando de volta de volta pra casa, sem diálogo, somente o som dos beiços assoviando e do cantar dos grilos. Chega a casa na boca da noite. Cansado, sonolento e esfomeado.

— O cumê tá butado, meu fí.
— Como já mainha, vou ali no açude me banhar.

Era Ernesto e mais nove irmãos, morrera seu pai no momento em que a dona Maria o paria. Já não bastasse a grande seca que estava havendo, Ernesto ficara sem pai no momento em que nascia. Se valendo apenas da sua mãe e de seus irmãos mais velhos. Hoje crescido, ele ajuda tanto quanto os maiores.
Sua rotina era sempre a mesma, levantada às quatro da manhã, tomava uma xícara de café preto acompanhado a um pedaço de cuscuz e partia para a roça com os irmãos e demais trabalhadores. Às doze e meia suas irmãs Carolina e Ernesta iam levar o almoço na roça, o suor pingava no rosto e as canelas eram finas de tanto andar.

— Armaria, Carolina! Será que a gente nunca vai sair dessa vida?
— Vamu sim, muié. É só nóis se casar logo.

E todos os dias no caminho da roça as duas iam se lamentando e sonhando com o dia do casamento. Após o almoço todos voltavam a labutar até às cinco da tarde, com intervalos curtos apenas para beber água de uma cuia e saciar as necessidades fisiológicas.
"Nordeste,
Terra de grandes mestres
Terra de homem prestes
Que enfrenta sol e trovão
Para dar de comer aos que em casa estão.

Quando ganham um tostão
Comemoram ouvindo o rei do baião
Agradecendo a Deus por ter dado o pão
E alimentando a família do coração.

Quando a chuva castiga
Pro nordestino não liga
Ele logo se afadiga
Pensa consigo “prossiga”.

Meses e meses sem chuva
O nordeste inteiro se entulha
De cadáveres de bois e mulas
E reza para que caia chuva na terra que também um dia
Foi lar do eterno Gonzagão.

Um ano após a grande seca
Cai uma chuva forte sobre o ranchinho do João
E no outro dia o trabalhador vai a labuta
Plantar batata e pimentão.”

"O sertanejo é antes de tudo um forte." - Euclides da Cunha.

Tu cativas-me com teu jeito misterioso. Minha mente divaga pelos jardins mais proibidos ao verem teus lábios finos tocarem a xícara de café e tuas grandes mãos tocarem as teclas alvejantes desse belo piano. A melodia que tu produz paira sobre os meus ouvidos tal como a canção de Apolo. Então eu te rogo, reduz os meus desejos mais insanos. Toma-me como tua por mais uma noite. Sela os teus lábios rosados com os meus, cola o teu corpo gélido junto ao meu, que nesse momento queima e ofega por ti. E assim, juntando os inversos, causamos equilíbrio a nossa própria órbita gravitacional.

Alice, as estrelas e seu avô.

Alice gosta de observar as estrelas, no fundo, bem no fundo do seu coração ela sabe que elas também a observam. Ainda quando criança seu avô lhe contara belas histórias, uma delas dizia que quando as pessoas que gostamos partem se tornam estrelas. Alice não entendeu bem o que aquilo quis dizer, até porque ela preocupava-se mais com as moedinhas que seu avô guardava no bolso.
Certo dia Alice soube que seu avô estaria de malas prontas e que partiria em breve. No dia em que ele partiu ela não conseguiu entender por que as pessoas a sua volta choravam tanto… Afinal, era só uma viagem não era? Mal sabia ela que aquela era uma daquelas viagens sem retorno.
Naquela mesma noite a lua estava cheia, foi a primeira vez de muitas que a garotinha observou o céu, pois ela sabia que aquela mais brilhante e mais grande de todas era o seu avô que antes partira. 
 
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